sábado, 2 de junho de 2012

"Realidade" demais sempre é bom!

                                          Paulo Autram como Porfírio Diaz

Lendo agora o blog "Semióticas", do colega José Antônio Orlando sobre a revista "Realidade" (1968-1976), fica claro como é difícil dar uma abordagem criativa e inovadora ao jornalismo atual. Uma pena! Até frequentar as aulas da pós-graduação em Jornalismo Cultural, ainda não havia tido a oportunidade de conhecer mais sobre esta revista que foi revolucionária justamente durante o período da ditadura militar.

Em um de seus primeiros números, a publicação tem como capa o filme do cineasta Glauber Rocha, "Terra em Transe" - que sempre que revejo, encontro um novo aspecto para compreender. Muitos acham a película de Glauber confusa, mas o que não é confuso e complexo nesta vida? Me digam!

Segue abaixo uma crítica que escrevi há alguns meses sobre "Terra em Transe"

E para quem quiser conferir o texto do José Antônio a respeito da revista "Realidade", segue o link: http://semioticas1.blogspot.com.br/2011/08/paginas-de-realidade.html?showComment=1338677762766#c7052236418297828624



O Brasil do populismo

por Gaby Guimarães


Integrante do movimento Cinema Novo, Glauber Rocha tinha uma visão diferente de entender e transmitir suas impressões ao público. O cineasta e outros colegas, como Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirszman e João Pedro de Andrade, entre outros, foram os responsáveis por realizarem obras-primas durante este período de nossa história. Partindo do princípio “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, os jovens diretores cariocas e baianos driblaram obstáculos e impuseram seu conceito de arte.
Considerado um marco desta época, o filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, mostrou aos franceses e ao mundo, no Festival de Cannes, que o Brasil também sabe desenlaçar um enredo sem os apelos comerciais a que a indústria cinematográfica norte-americana fazia. Influenciado por suas raízes, suas primeiras produções falavam dos sertanejos nordestinos, período anterior ao golpe de 1964. Porém, em 1966, o diretor captou imagens da posse do então amigo e governador eleito, José Sarney, que virou documentário: “Maranhão 66”. No decorrer dos 11 minutos de fita, o que se vê como plano central não é a posse de Sarney, e sim a miséria da população maranhense, sua falta de esperança em ter melhores hospitais ou, simplesmente, ter o que comer.
O universo político foi o mote da narrativa de seu longa-metragem seguinte, “Terra em Transe”, lançado em 1967 e que é ambientado em um país fictício, Eldorado. Na figura do anti-herói da trama, o poeta e jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), que reflete qual o seu papel na política de sua terra ao declamar o trecho de um poema de Mario Faustino: “Não conseguiu firmar o nobre pacto/ Entre o cosmo sangrento e a alma pura/ Gladiador defunto, mas intacto/ (Tanta violência, mas tanta ternura)”. Paulo representa isso. O homem que queria juntar poesia e política em um só plano, mas que fracassou e foi baleado ao tentar fugir desta falta de postura e covardia do candidato à presidência da República Felipe Vieira (José Lewgoy).
Em forma de flashback, o jornalista relata sua trajetória, de altos e baixos, vivendo entre os anseios dos políticos Porfírio Diaz (célebre atuação de Paulo Autran) e Vieira. Mesmo cometendo erros, nota-se um Paulo fiel às suas ideologias até o fim, nem que para isso tenha que morrer – o que caracteriza o momento de ternura do poema de Faustino.
Outro personagem que contribui para os pensamentos que passam a atormentar o protagonista é o magnata das comunicações Júlio Fuentes (Paulo Grancindo), dono do jornal onde Paulo trabalha. Em um acordo com Porfírio Diaz, une-se à multinacional Sprint, fabricante de armas, para impedir a vitória de Vieira nas eleições que estão por vir. Antes da explosão desses acontecimentos, Paulo é envolvido em um mundo de “orgias”, regado a muita bebida, belas mulheres e ao som imponente do jazz, patrocinados por Fuentes.
Em meio a crises existenciais, Paulo enfrenta o dilema de lutar ao lado de sua amada Sara (Glauce Rocha) para terem um país melhor ou perder a consciência ao lado da amante Silvia (Danuza Leão) e, com isso, estar praticamente de acordo com a ideologia de Porfírio Diaz.
O filme “Terra em Transe” seria uma releitura do que o Brasil enfrentava em 1967, com a ditadura militar. No documentário “Depois do Transe”, Glauber afirma: “É a história de Jango, do Arraes, do Lacerda. A história do janguismo no Brasil, contada num país da América Latina”.
A sacada da cena em que o sindicalista Jerônimo (José Marinho) é convidado a se manifestar sobre seu povo, durante um comício de Vieira, resulta em uma imagem importante para absorver a forma que Glauber escolheu para contar uma história política. Exemplificada por Paulo na mesma cena, em que tapa a boca de Jerônimo e diz: “Este é o povo: um imbecil, um analfabeto, um despolitizado”. Será que a população brasileira ainda é enxergada desta maneira?




2 comentários:

  1. Muito bom, Gaby Guimarães...
    Aliás, alguém já disse o Glauber Rocha que ele é o gênio da raça. Difícil não concordar.
    E sobre a revista "Realidade", ela permenece como uma lição do que é o jornalismo e sobre o papel da imprensa, ainda mais nos dias atuais, quando casos tristes como o "jornalixo" de "Veja" fazem tão mal ao país e ao bom senso em geral.
    Difícil acreditar que tanto a nobreza de "Realidade" quanto o pior da imprensa que a "Veja" representa saíram da mesma Editora Abril...
    Beijo pra você e seja sempre bem-vinda ao Semióticas!

    http://semioticas1.blogspot.com.br/

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  2. Obrigada, José Antônio!
    Pois é, a Abril já teve seu tempo em que publicava o jornalismo de fato! Uma pena a revista Veja fazer parte desta empresa...pior, as pessoas que compactuam para que ela permaneça no grupo Abril.
    Com certeza vou ler sempre o Semióticas! Fiquei fascinada, dá vontade de não desistir da carreira, quando leio ótimos textos como os seus, quem ainda aprendo algo no fim!

    Um beijo!

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