Lendo agora o blog "Semióticas", do colega José Antônio Orlando sobre a revista "Realidade" (1968-1976), fica claro como é difícil dar uma abordagem criativa e inovadora ao jornalismo atual. Uma pena! Até frequentar as aulas da pós-graduação em Jornalismo Cultural, ainda não havia tido a oportunidade de conhecer mais sobre esta revista que foi revolucionária justamente durante o período da ditadura militar.
Em um de seus primeiros números, a publicação tem como capa o filme do cineasta Glauber Rocha, "Terra em Transe" - que sempre que revejo, encontro um novo aspecto para compreender. Muitos acham a película de Glauber confusa, mas o que não é confuso e complexo nesta vida? Me digam!
Segue abaixo uma crítica que escrevi há alguns meses sobre "Terra em Transe"
E para quem quiser conferir o texto do José Antônio a respeito da revista "Realidade", segue o link: http://semioticas1.blogspot.com.br/2011/08/paginas-de-realidade.html?showComment=1338677762766#c7052236418297828624
O Brasil do populismo
por Gaby Guimarães
Integrante do
movimento Cinema Novo, Glauber Rocha tinha uma visão diferente
de entender e transmitir suas impressões ao público. O cineasta e outros
colegas, como Luiz Carlos Barreto, Cacá Diegues, Ruy Guerra, Nelson Pereira dos
Santos, Leon Hirszman e João Pedro de Andrade, entre outros, foram os responsáveis
por realizarem obras-primas durante este período de nossa história. Partindo do
princípio “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, os jovens diretores
cariocas e baianos driblaram obstáculos e impuseram seu conceito de arte.
Considerado um
marco desta época, o filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de
Glauber Rocha, mostrou aos franceses e ao mundo, no Festival de Cannes, que o
Brasil também sabe desenlaçar um enredo sem os apelos comerciais a que a
indústria cinematográfica norte-americana fazia. Influenciado por suas raízes,
suas primeiras produções falavam dos sertanejos nordestinos, período anterior
ao golpe de 1964. Porém, em 1966, o diretor captou imagens da posse do então
amigo e governador eleito, José Sarney, que virou documentário: “Maranhão 66”.
No decorrer dos 11 minutos de fita, o que se vê como plano central não é a
posse de Sarney, e sim a miséria da população maranhense, sua falta de
esperança em ter melhores hospitais ou, simplesmente, ter o que comer.
O universo político
foi o mote da narrativa de seu longa-metragem seguinte, “Terra em Transe”,
lançado em 1967 e que é ambientado em um país fictício, Eldorado. Na figura do
anti-herói da trama, o poeta e jornalista Paulo Martins (Jardel Filho), que
reflete qual o seu papel na política de sua terra ao declamar o trecho de um
poema de Mario Faustino: “Não conseguiu firmar o nobre pacto/ Entre o cosmo
sangrento e a alma pura/ Gladiador defunto, mas intacto/ (Tanta violência, mas
tanta ternura)”. Paulo representa isso. O homem que queria juntar poesia e
política em um só plano, mas que fracassou e foi baleado ao tentar fugir desta
falta de postura e covardia do candidato à presidência da República Felipe
Vieira (José Lewgoy).
Em forma de
flashback, o jornalista relata sua trajetória, de altos e baixos, vivendo entre
os anseios dos políticos Porfírio Diaz (célebre atuação de Paulo Autran) e
Vieira. Mesmo cometendo erros, nota-se um Paulo fiel às suas ideologias até o
fim, nem que para isso tenha que morrer – o que caracteriza o momento de
ternura do poema de Faustino.
Outro personagem
que contribui para os pensamentos que passam a atormentar o protagonista é o
magnata das comunicações Júlio Fuentes (Paulo Grancindo), dono do jornal onde
Paulo trabalha. Em um acordo com Porfírio Diaz, une-se à multinacional Sprint,
fabricante de armas, para impedir a vitória de Vieira nas eleições que estão
por vir. Antes da explosão desses acontecimentos, Paulo é envolvido em um mundo
de “orgias”, regado a muita bebida, belas mulheres e ao som imponente do jazz,
patrocinados por Fuentes.
Em meio a crises
existenciais, Paulo enfrenta o dilema de lutar ao lado de sua amada Sara
(Glauce Rocha) para terem um país melhor ou perder a consciência ao lado da
amante Silvia (Danuza Leão) e, com isso, estar praticamente de acordo com a
ideologia de Porfírio Diaz.
O filme “Terra em
Transe” seria uma releitura do que o Brasil enfrentava em 1967, com a ditadura
militar. No documentário “Depois do Transe”, Glauber afirma: “É a
história de Jango, do Arraes, do Lacerda. A história do janguismo no Brasil,
contada num país da América Latina”.
A sacada da cena em
que o sindicalista Jerônimo (José Marinho) é convidado a se manifestar sobre
seu povo, durante um comício de Vieira, resulta em uma imagem importante para
absorver a forma que Glauber escolheu para contar uma história política.
Exemplificada por Paulo na mesma cena, em que tapa a boca de Jerônimo e diz:
“Este é o povo: um imbecil, um analfabeto, um despolitizado”. Será que a
população brasileira ainda é enxergada desta maneira?
Muito bom, Gaby Guimarães...
ResponderExcluirAliás, alguém já disse o Glauber Rocha que ele é o gênio da raça. Difícil não concordar.
E sobre a revista "Realidade", ela permenece como uma lição do que é o jornalismo e sobre o papel da imprensa, ainda mais nos dias atuais, quando casos tristes como o "jornalixo" de "Veja" fazem tão mal ao país e ao bom senso em geral.
Difícil acreditar que tanto a nobreza de "Realidade" quanto o pior da imprensa que a "Veja" representa saíram da mesma Editora Abril...
Beijo pra você e seja sempre bem-vinda ao Semióticas!
http://semioticas1.blogspot.com.br/
Obrigada, José Antônio!
ResponderExcluirPois é, a Abril já teve seu tempo em que publicava o jornalismo de fato! Uma pena a revista Veja fazer parte desta empresa...pior, as pessoas que compactuam para que ela permaneça no grupo Abril.
Com certeza vou ler sempre o Semióticas! Fiquei fascinada, dá vontade de não desistir da carreira, quando leio ótimos textos como os seus, quem ainda aprendo algo no fim!
Um beijo!