terça-feira, 21 de agosto de 2012

A dama do mar


Boa tarde a todos, hoje o Cultura em Cena dedica o espaço à peça A dama do mar, de Henrik Ibsen. O espetáculo está em cartaz no Teatro Nair Bello - Shopping Frei Caneca, em São Paulo. Confira abaixo a crítica:

Atriz Ondina Clais Castilho como Élida Wangel

As angústias de Élida Wangel

Por Gaby Guimarães

A dama do mar, peça simbolista do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen narra o drama de uma mulher que se casou com um médico viúvo, mas que vive presa ao passado por conta de um breve envolvimento com um marinheiro que lhe prometeu casamento

Sob direção do premiado Sérgio Ferrara, A dama do mar é encenada pela primeira vez na capital paulista, no Teatro Nair Bello, no Shopping Frei Caneca. O espetáculo encerra a trilogia de Ferrara com a obra de Ibsen, iniciada com O Inimigo do Povo em 2007 e O Imperador e Galileu em 2008.

Na trama, Élida Wangel (Ondina Clais Castilho) é casada com o médico viúvo Dr. Wangel (Luiz Damasceno), que é pai de duas moças, Bolette (Mariana Hein) e Hilda (Erika Altimeyer). O que poderia ser o retrato de uma família em busca da felicidade é perdido em consequência de Élida sentir-se presa ao passado, sendo atormentada pelas lembranças do relacionamento que viveu com um marinheiro desconhecido em sua juventude.

Considerado pelo crítico literário Otto Maria Carpeaux “o maior dramaturgo do século XIX” (IBSEN, 1989, p. 29), Henrik Ibsen (1828-1906) baseia sua obra em uma escrita analítica, gerando a crise do drama, em que o presente é apenas pretexto para tratar o problema do passado em sua totalidade. Ao contrário de Sófocles, em que os acontecimentos do passado são apenas ilustrações para entender a atualidade[1], e trata a narrativa de Édipo Rei, por exemplo, como sendo mito do conhecimento geral – somente o personagem-título necessita de esclarecimento e com isso a ação da peça precisa estar no tempo presente. 

Em A dama do mar, o espectador já sabe que Élida vive um drama interior logo na primeira cena, ao contrário de Édipo, que só descobre a sua real condição no fim da narrativa. Na época de Ibsen, era possível misturar gêneros, deixando de seguir a forma aristotélica. Em uma análise feita por Kenneth McLeish no livro Aristóteles, o dramaturgo Sófocles era um imitador no mesmo ponto de vista que Homero. “É por isso, dizem, o ‘drama’ leva este nome: ele significa literalmente ‘algo feito’” (MCLEISH, 2000, p. 17).

A dama do mar sinaliza também o uso de um novo meio estilístico: o diálogo duplo, “em que todas as palavras e frases têm, atrás do sentido realista, outro sentido misterioso e, às vezes, místico” (IBSEN, 1989, p. 43). Mesmo assim, como são próprios de alguns romances de Ibsen, a protagonista Élida – em uma interpretação de Ondina Clais marcada pelo exagero nos pontos em que seu papel demonstra gestos de perturbação – é individualista e se isola das demais personagens, vivendo em uma obscuridade. Além da lembrança constante da união que mantém com o estrangeiro, em uma encenação sofrível de Renato Cruz, balizada pela junção de seus anéis que foram jogados ao mar como um sinal de matrimônio. O simbolismo de Élida está justamente no fascínio que tem pelo mar, diariamente ela se banha nestas águas, momento que lhe dá prazer e sensação de liberdade.

Sem filhos – o único que teve morreu ao nascer – Élida é uma mulher ociosa e completamente dependente dos cuidados do marido, que ao longo da trama mostra-se até um homem egoísta. Este sentimento é expressado quando o estrangeiro retorna, e a protagonista é capaz de pedir divórcio a Wangel na intenção de poder fazer sua escolha de fato, que pode acarretar em conquistar ou não a liberdade.

Diferente do original, na montagem de Ferrara, o homem estrangeiro não é retratado como tal, com roupas e aspecto que não condizem ao marinheiro que volta para atormentar “a dama do mar”. Em compensação, o figurino dos demais personagens e o cenário assinado por J.C.Serroni criam exatamente a imagem de uma casa de veraneio. A luz nas cores azul e branca comandadas por Rodrigo Alves Azevedo dão o clima sombrio e misterioso necessários para o desenrolar da trama.

A atuação de Ricardo Gelli como o jovem enfermo Lyngstrand dá um tom leve e até humorístico à narrativa, além de ser um personagem essencial para as descobertas de Élida em torno do homem desconhecido. A figura do pintor Ballested (Albenis Amaral) em algumas cenas também trazem momentos de relaxamento. Além da interpretação de Luciano Quirino como o professor Arnholm, que visita a casa dos Wangel com o intuito de se aproximar de Bolette e despertar a vontade que a jovem tem de conhecer o mundo de verdade.

A dama do mar fica em cartaz no Teatro Nair Bello até 2 de setembro.

Para quem quiser saber mais sobre o dramaturgo Henrik Ibsen e o autor Peter Szondi, segue abaixo as referências - boa leitura!

Referências Bibliográficas

IBSEN, Henrik. Seis dramas. São Paulo: Ediouro, 1989.

MCLEISH, Kenneth. Aristóteles: a poética de Aristóteles. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

SZONDI. Peter. Teoria do drama moderno [1880-1950]. São Paulo: Cosac Naify, 2011.



[1] O crítico literário alemão Anatol Rosenfeld explica diferenças entre a obra de Sófocles e Ibsen no ensaio presente no livro Teoria do Drama Moderno [1880-1950] (SZONDI, 2011, p. 170).

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