Boa tarde a todos, hoje o Cultura em Cena dedica o espaço à peça A dama do mar, de Henrik Ibsen. O espetáculo está em cartaz no Teatro Nair Bello - Shopping Frei Caneca, em São Paulo. Confira abaixo a crítica:
Atriz Ondina Clais Castilho como Élida Wangel
As angústias de Élida Wangel
Por
Gaby Guimarães
A dama do mar, peça
simbolista do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen narra o drama de uma mulher que
se casou com um médico viúvo, mas que vive presa ao passado por conta de um breve
envolvimento com um marinheiro que lhe prometeu casamento
Sob direção do premiado Sérgio
Ferrara, A dama do mar é encenada
pela primeira vez na capital paulista, no Teatro Nair Bello, no Shopping Frei
Caneca. O espetáculo encerra a trilogia de Ferrara com a obra de Ibsen,
iniciada com O Inimigo do Povo em
2007 e O Imperador e Galileu em 2008.
Na trama, Élida Wangel (Ondina
Clais Castilho) é casada com o médico viúvo Dr. Wangel (Luiz Damasceno), que é
pai de duas moças, Bolette (Mariana Hein) e Hilda (Erika Altimeyer). O que
poderia ser o retrato de uma família em busca da felicidade é perdido em
consequência de Élida sentir-se presa ao passado, sendo atormentada pelas
lembranças do relacionamento que viveu com um marinheiro desconhecido em sua
juventude.
Considerado pelo crítico
literário Otto Maria Carpeaux “o maior dramaturgo do século XIX” (IBSEN, 1989,
p. 29), Henrik Ibsen (1828-1906) baseia sua obra em uma escrita analítica,
gerando a crise do drama, em que o presente é apenas pretexto para tratar o
problema do passado em sua totalidade. Ao contrário de Sófocles, em que os
acontecimentos do passado são apenas ilustrações para entender a atualidade[1],
e trata a narrativa de Édipo Rei, por
exemplo, como sendo mito do conhecimento geral – somente o personagem-título
necessita de esclarecimento e com isso a ação da peça precisa estar no tempo
presente.
Em A dama do mar, o
espectador já sabe que Élida vive um drama interior logo na primeira cena, ao
contrário de Édipo, que só descobre a sua real condição no fim da narrativa. Na
época de Ibsen, era possível misturar gêneros, deixando de seguir a forma
aristotélica. Em uma análise feita por Kenneth McLeish no livro Aristóteles, o
dramaturgo Sófocles era um imitador no mesmo ponto de vista que Homero. “É por
isso, dizem, o ‘drama’ leva este nome: ele significa literalmente ‘algo feito’”
(MCLEISH, 2000, p. 17).
A
dama do mar sinaliza
também o uso de um novo meio estilístico: o diálogo duplo, “em que todas as
palavras e frases têm, atrás do sentido realista, outro sentido misterioso e, às
vezes, místico” (IBSEN, 1989, p. 43). Mesmo assim, como são próprios de alguns romances
de Ibsen, a protagonista Élida – em uma interpretação de Ondina Clais marcada
pelo exagero nos pontos em que seu papel demonstra gestos de perturbação – é individualista
e se isola das demais personagens, vivendo em uma obscuridade. Além da
lembrança constante da união que mantém com o estrangeiro, em uma encenação
sofrível de Renato Cruz, balizada pela junção de seus anéis que foram jogados
ao mar como um sinal de matrimônio. O simbolismo de Élida está justamente no
fascínio que tem pelo mar, diariamente ela se banha nestas águas, momento que
lhe dá prazer e sensação de liberdade.
Sem filhos – o único que teve
morreu ao nascer – Élida é uma mulher ociosa e completamente dependente dos
cuidados do marido, que ao longo da trama mostra-se até um homem egoísta. Este
sentimento é expressado quando o estrangeiro retorna, e a protagonista é capaz
de pedir divórcio a Wangel na intenção de poder fazer sua escolha de fato, que
pode acarretar em conquistar ou não a liberdade.
Diferente do original, na
montagem de Ferrara, o homem estrangeiro não é retratado como tal, com roupas e
aspecto que não condizem ao marinheiro que volta para atormentar “a dama do
mar”. Em compensação, o figurino dos demais personagens e o cenário assinado
por J.C.Serroni criam exatamente a imagem de uma casa de veraneio. A luz nas
cores azul e branca comandadas por Rodrigo Alves Azevedo dão o clima sombrio e
misterioso necessários para o desenrolar da trama.
A atuação de Ricardo Gelli como o
jovem enfermo Lyngstrand dá um tom leve e até humorístico à narrativa, além de
ser um personagem essencial para as descobertas de Élida em torno do homem
desconhecido. A figura do pintor Ballested (Albenis Amaral) em algumas cenas
também trazem momentos de relaxamento. Além da interpretação de Luciano Quirino
como o professor Arnholm, que visita a casa dos Wangel com o intuito de se
aproximar de Bolette e despertar a vontade que a jovem tem de conhecer o mundo
de verdade.
A
dama do mar fica
em cartaz no Teatro Nair Bello até 2 de setembro.
Para quem quiser saber mais sobre o dramaturgo Henrik Ibsen e o autor Peter Szondi, segue abaixo as referências - boa leitura!
Referências
Bibliográficas
IBSEN,
Henrik. Seis dramas. São Paulo:
Ediouro, 1989.
MCLEISH,
Kenneth. Aristóteles: a poética de
Aristóteles. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
SZONDI.
Peter. Teoria do drama moderno
[1880-1950]. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
[1]
O crítico literário alemão Anatol Rosenfeld explica diferenças entre a obra de
Sófocles e Ibsen no ensaio presente no livro Teoria do Drama Moderno [1880-1950] (SZONDI, 2011, p. 170).
Nenhum comentário:
Postar um comentário